10/12/2010

Lágrima


não é dor
nem sequer mágoa
a água
que encharca esse teu rosto
são gotas de lua
um mosto
de raiva sòmente
um tsunami frequente
que acontece
quando a saudade transborda
e a alma
enraivece.

28/11/2010

Este fardo


aos meus ombros carreguei
este fardo... a minha herança...

onde vou ?  nem já eu sei !
perdi-me ainda criança
por atalhos    e     cansado

deixai que fique sentado
nos escombros da esperança

deixai que fique sozinho
como Jó também ficou
e segui vós o caminho
que o vosso deus vos traçou.


(Imagem de Roberas.blogspot.com)

24/10/2010

A chorar finges que cantas


na masmorra de mim mesmo
ora choro, ora canto
canto por ti quando choras
choro por ti se tu cantas
...
quando choras... de certeza
que o teu choro é de alegria
sei que cantas de tristeza
quando a alma vazia
nos teu olhos fica presa
...
abre os olhos e sorri
deixa a alma libertar-se
não mostres que tudo em ti
não é mais que um disfarce
..
na masmorra onde moro
sinto que choras cantando
se cantas também eu choro
e cantando eu vou chorando

*

19/08/2010

No Cais das Colunas




aqui  me sento   e medito
aqui me sinto disperso
sou como o eco dum grito
que atravessa o universo
*
esta vontade insistente
de partir     ficando aqui
me deixa triste e contente
pensando  que  já parti
*
à beira rio sonhando
aqui eu    me sinto assim
há coisas   que recordando
me  fazem   fugir de mim
*
no meu alforge de sonhos
carregado de vazio
há espaço para mais um
o grande sonho   parti-o
não me resta mais nenhum
*
aqui me sento e me penso
aqui me oprimo e desfaço
é como    se eu fosse imenso
e o rio    o meu regaço


03/07/2010

O Nero dos meus sonhos

*


sou o Nero dos meus sonhos
louco de pé no terraço
soltando berros medonhos
pelos sonhos que desfaço

meus sonhos servem de pasto
às labaredas da torre
não deixarei nem o rasto
de nenhum sonho que morre

minha torre de babel
não há livro nem compêndio
não há tinta nem pincel
que descreva este incêndio

sou o Nero dos meus sonhos







27/06/2010

O poema é uma concha



o poema    é uma concha
com o som    como o do mar
faz eco dentro de nós
é a alma   a  respirar

por isso tem que ser escrito
para que não nos magoe
como lançarmos um grito
quando cá dentro nos dói

o escrever não é senão
ave livre a libertar-se
duma certa solidão
com o poema por disfarce

o poema    é uma mera
dor   que queremos ocultar
como nós    uma quimera
um desejo de gritar

o poema é uma concha
com o som como o do mar

*

30/05/2010

Na esquina da rua


a velha que estava
ao fundo da rua
nas noites de verão
sonhava sonhava

à sombra da lua
fazendo serão
rezava rezava

a velha que estava
ao sol e ao frio
nos dias d'inverno
chorava chorava

a face era um rio
a vida um inferno

a velha que estava
pedindo esmola
chorando na esquina
olhava olhava
para a menina
que vinha da escola


hoje na esquina
da rua triste
com gente a passar
só vejo a menina

a velha que viste
deixou de lá estar



**

12/04/2010

Não é poema nenhum


isto não é poema nenhum
é certamente um desabafo
entre mim e Cristo
aquele Jesus que alguns acusam de maluquinho por ter sido sempre
doido por cruzes
e que acabou numa
que não era nenhuma das que fazia na carpintaria do pai

mesmo depois de morto
continuamos amigos e falo ainda com ele

deve rir-se muito das coisas que lhe digo
sem nunca lhe mentir
quando me zango com ele
não me responde
não diz nada de jeito e continua na cruz com aquele ar de sofredor
e isso me chateia e ele sabe
por isso nem responde

gosta de mim como eu gosto dele
disso não tenho dúvidas

um dia trocou-me as voltas e eu
que o trazia sempre no bolso
acabei por largá-lo à porta duma igreja de Burgos
onde cortámos relações e
nunca mais nos entendemos

desabafo ainda com ele
e ri-se de mim e não liga nada ao que eu digo

as coisas que lhe conto e que ele sabe!

não lhe escondo nada porque sei que ele havia de rir

é por isso que continuamos amigos como sempre

mas sei que um dia ele há-de arrepender-se de eu o ter abandonado
e há-de abraçar-me
e rir muito de mim
porque ele sabe
que a culpa foi toda dele e ao fim de tantos anos
já não vai ressuscitar
e sabe Deus se lá estará
para acolher-me

*

08/04/2010

Rio quase mar


em qualquer sítio sentado
a ver o Tejo quase mar
despejei nele um poema
que trazia cá por dentro
e o rio levou para salgar

lá onde o sol mergulha
cansado de aquecer
um país que já não sabe
o que foi e o que vai ser

olhei daqui o poente
a tingir de vermelho o céu
longe lá longe
onde se afundam sonhos no mar

para lá do que a vista alcança
só vale a pena sonhar
se soubermos ser criança


*

03/04/2010

Reencontro


aqui o mundo é tão meu
soletro versos a esmo
passam as núvens no céu
como sombras de mim mesmo

aqui o mundo é tão meu
sopram-me os ventos canções
voam gaivotas e eu
vou devorando ilusões

aqui o mundo é tão meu
a noite vai-me escondendo
com o seu manto de breu
sonhos que ando tecendo

aqui o mundo é tão meu
de rastos triste gritando...
um dos sonhos que morreu
renasceu e está voltando

aqui o mundo é tão meu


**

24/03/2010

Em branco

*
                                              

                                                  tenho um livro de folhas brancas
                                                  à espera
                                                  que eu as suje de palavras
                                                  que ninguém há-de entender

                                                  fico horas e horas a ler
                                                  folhas em branco que não escrevo

                                                  um livro que é só meu

                                                  quem quiser
                                                  que as leia como eu
                                                  e como estão
                                                  e nelas sinta tudo aquilo com que sonhei
                                                  e por birra de criança
                                                  ou sei lá se por vingança
                                                  não escrevi nem escreverei


*

14/03/2010

Sabor de amora

*
                                 apesar de tudo
                                 não escondo as minhas mãos
                                 onde trago ainda um resto de sol
                                 por tocar-te o rosto

                                 vê os meus lábios
                                 ainda com o sabor a amora do teu sorriso
                                 e a tua fome de corpo
                                 gretados não vês?

                                 e ainda perguntas porque ando em pontas de raiva
                                 e recuso adormecer
                                 com a saudade na boca
                                 e sonhos e medos nos olhos


***

21/02/2010

cavalo de vento

  falas de um vento forte
  que sopra e te arrasta
  como folha de árvore seca
  que o outono envelheceu

  caíste de borco na planície
  onde há ainda malmequeres
  a berrar brancos e amarelos
  e a rir dos pardais que esvoaçam
  sobre ti e contra o vento
  vento que uiva
  e se estatela nos pedregulhos
  donde escorrem lamentos e segredos
  que nos invadem e são
  como tortura
  a deixar nos malmequeres
  a vontade de secar

  falas de um vento forte que sopra
  dum vento que é a imagem
  do que tu sentes na alma
  vento que te arrasta e em breve
  te tornará em miragem

  falas de um vento forte
  vento-cavalo que montas
  vento que ao fim de contas
  te há-de arrastar para a morte



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09/02/2010

Um só




                                      um dia
                                      um dia de vendaval
                                      possesso de sonhos e raivas
                                      saltei muros
                                      mordi todas as regras com que me açaimaram
                                      e fugi de mim mesmo

                                      sentado e sem braços para me agarrar
                                      vi-me fugir
                                      e saltar
                                      e dançar
                                      em cima da raiva
                                      e seguir
                                      lá para os lados dos montes brancos de Calahorra
                                      uivando
                                      uivando como lobo
                                      ao mundo que me traçaram

                                      sei que um dia
                                      um dia de vendaval
                                      hei-de encontrar-me
                                      e então
                                      então sim
                                      farei as pazes comigo mesmo
                                      e voltaremos a ser
                                      um só
                                      os dois


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